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Publicado em May 2, 2013, 9:28 a.m. - Notícias Fitrae

As muitas vidas da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT)

Por: Drº José Geraldo Santana


O genial escritor brasileiro, Machado de Assis, em seu intrigante conto O Imortal, narra a pseudo aventura do personagem Rui Leão, que, para curar-se de uma moléstia que o consumia, tomou generosa dose de uma poção indígena, que lhe foi indicada pelo Cacique Pirajuara, seu sogro. Como consequência desta terapia, adquiriu a imortalidade.


Após adquiri-la, o citado personagem aventurou-se pelo mundo conhecido, desafiando-o por muitos meios. Por isso, foi levado à guilhotina, ao cadafalso e a certeiro ataque de flechas; tendo sobrevivido a todos.


Depois de viver duzentos e cinquenta anos, enterrando, neste período, esposas, filhos e amigos, cansou-se da vida e passou a desejar, ardentemente, a morte; para consegui-la, tomou outra generosa dose da mencionada poção. Importa dizer: tal poção deu-lhe a vida e a morte.


A aventura do personagem machadiano pode ser utilizada para ilustrar a já longeva história da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT)- Decreto-lei N. 5.452/1943, que, ao 1° de maio corrente, completou setenta anos.


A sua outorga resultou de longas e cruentas batalhas sociais, travadas ao longo de décadas a fio. Lutas, estas, as quais o último Presidente da República Velha, Washington Luis, dizia que eram uma questão de polícia, e teve como finalidade a implantação de um pacto social, que, se não pacificasse os atores que as travavam- patrões e empregados, ao menos, amainasse a intensidade  delas.


Registra-se, desde logo,  que a CLT, ao contrário do que afirmaram e afirmam os seus detratores, nunca representou o paraíso para os trabalhadores, nem sequer o Estado de bem estar social. Representou e continua a representar o mínimo de direitos, exigidos em uma nação que se pretenda  civilizada.


Parafraseando a líder socialista alemã, do início do século XX, Rosa Luxemburgo, menos do que a CLT ter-se-á a barbárie social e política.


No decorrer de suas sete décadas de existência, a CLT enfrentou e enfrenta toda sorte de ataques, com o objetivo primeiro de fulmina-la, letalmente, ou, pelo menos, mutilá-la, por completo.


Como consequência da incansável luta dos trabalhadores, por mais direitos, e de mencionados ataques certeiros, com objetivos opostos, ou seja, menos direitos, foram-lhe introduzidas aproximadamente 500 (quinhentas) alterações: algumas para fazê-los avançar, outras, para recuar.


Com raríssimas exceções, os acusadores da CLT, que lhe imputam a responsabilidade pelas mazelas econômicas e sociais, que afligiam e afligem o Brasil; chegando ao disparate de imputar-lhe a pecha de garantir direitos em demasia e de impedir a modernização das relações sociais de trabalho.


Estes acusadores, sem o  confessar, é claro, almejam o recuo histórico, com o fim do Estado democrático de direito, com o único e escuso propósito de a questão social voltar ser tratada como questão de polícia.


Para ilustrar os nefastos objetivos dos inimigos da CLT, basta que se tragam à lume, o Projeto de Lei N. 4.330/2004,  em tramitação na Câmara dos Deputados, e  que visa a regulamentar a terceirização (neologismo que causa temor e tremor aos trabalhadores), e as 101 propostas da CNI, hipocritamente, intituladas de propostas de modernização das relações trabalhistas.


O francês Françoise La Rochefocouald, do século XVII, dizia que a hipocrisia é a homenagem que o vício presta à virtude.


Indiscutivelmente, as comentadas 101 propostas da CNI confirmam esta máxima. Tais propostas têm como alvo a CLT, para a qual preveem  dezenas de alterações, e, também, os Arts. 6° ao 11, da Constituição da República Federativa do Brasil (CR)


Segundo a CNI, a legislação trabalhista contém, pelo menos, 101 irracionalidades, que devam ser corrigidas, por meio das mudanças por elas apontadas, para implantar “a modernização das relações de trabalho, no Brasil”, leia-se flexibilização total.


No entanto, quem se der ao trabalho de analisar tais propostas e, principalmente, compará-las com os direitos sociais, assegurados pela CR, com os tratados internacionais, dos quais o Brasil é parte, e com a mais recente jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho (TST), a não ser por má fé, forçosamente, concluirá que primam pela hipocrisia, pois, para a CNI, modernização das relações de trabalho é sinônimo de supressão de direitos.


Os argumentos expendidos, no comentado documento, são todos falaciosos e desprovidos de razoabilidade e eivados de más intenções.


No afã de induzir os trabalhadores e as suas entidades a erros, inverte a ordem do Estado democrático de direito, de modo a transformar as cláusulas pétreas da CR, de cunho social, em mero apêndice das relações de trabalho.


São mirados pela CNI, com a pretensão de vê-los abatidos:  o Art. 4º, da CLT, Parágrafo único, que garante o FGTS ao trabalhador afastado, para cumprimento de serviço militar; o 58, da CLT,  que diz respeito à duração do trabalho, ao excesso de jornada permitido,  sem remuneração (10 minutos diários) e às horas in itinere; o 59, § 2º, da CLT, que versa sobre a compensação de horas; o 67, da CLT, regulamenta o  repouso semanal remunerado; o 68, da CLT, que condiciona o trabalho aos domingos à autorização legal; o 70, da CLT, que veda o trabalho em dias feriados; o  71,§ 3º, da CLT, que trata do intervalo intrajornada; o 73, da CLT, que  regulamenta o trabalho noturno, inclusive a duração da hora, que é de 52 minutos e 30 segundos; o 193, da CLT, que trata de periculosidade; o 244, da CLT, que  regula o regime de sobreaviso; o 253, da CLT, que regulamenta o trabalho em câmara fria; o 384, da CLT, que impõe o descanso de 15 minutos, em caso de prorrogação de jornada; o 443, da CLT, que proíbe o contrato de trabalho, por prazo determinado, para a atividade fim; o 444, da CLT, que declara nulos os atos que fraudarem a lei; o 445, da CLT, que limita o contrato por prazo determinado, legal, a dois anos; o 484, da CLT, que versa sobre rescisão por culpa recíproca; o 627, da CLT, que diz respeito à dupla vista no processo de fiscalização.


São, também, alvos, a serem abatidos, normas e Súmulas do TST,  que complementam a CLT, tais como : o Art. 6º, da Lei N. 605, que versa sobre faltas justificadas; o 7º, da Lei N. 605/49, que regula o repouso semanal remunerado; o 28, da Lei N. 8.212/91, que versa sobre a contribuição previdenciária patronal; o 9º, da Lei N. 7.284/85, que assegura um salário ao trabalhador demitido no período de 30 dias que antecedem à data-base; o 9º, do Decreto N. 3.048/99, que determina a incidência de contribuição previdenciária sobre aviso prévio indenizado; o 60, § 3º, da Lei N. 8.213/91, que dispõe sobre o pagamento dos 15 primeiros dias de afastamento do segurado, para tratamento médico.


Quanto às súmulas, são alvos da CNI: a 60, que assegura a integração aos salários do adicional noturno, pago com habitualidade; a 85, que exige autorização de convenção ou acordo coletivo, para a compensação de horas; a 244, que trata da estabilidade à gestante, mesmo que o seu contrato seja temporário; a 277, que garante a ultratividade das normas coletivas; a 378, que dispõe sobre a estabilidade do trabalhador acidentado, ainda que sob contrato por prazo determinado; a 429, que regulamenta o tempo à disposição do empregador; a 437, que diz sobre o intervalo intrajornada; a Orientação Jurisprudencial (OJ) 173, inciso II, que estabelece restrições para o trabalho a céu aberto.


A desfaçatez da CNI chega ao extremo de, na proposta N. 76, advogar a tese de que as revisões de jurisprudências do TST não alcancem as situações pretéritas, pendentes de julgamento, mas, apenas, as que vierem a se concretizar após a sua aprovação. Ou seja, o que já aconteceu fica no buraco preto, sem passivo algum para as empresas. Sem dúvida, um negócio altamente lucrativo. Isto é que hipocrisia.


O inesquecível Presidente da Assembléia Nacional Constituinte, Deputado Federal Ulisses Guimarães, ao promulgar a CR de 1988, aos 5 de outubro daquele ano, disse que a nova Constituição não ficaria como obra inacabada e profanada, pois, tinha cheiro de amanhã e não de mofo.


                  


Ao reverso do que afirmava o referido Deputado, pode-se dizer que as propostas  CNI  tem cheiro de ontem, e, portanto, de mofo.


No conto de Machado de Assis, que abre estas breves anotações, o personagem desiste da vida e resolve demitir-se dela, por meio da mesma poção que lhe deu a imortalidade.


Espera-se que, ao contrário deste personagem, a CLT, continue resistindo ao tempo e aos ataques que lhe são desfechados, não se demitindo da vida social, mantendo-se forte e vigorosa, sem tempo para caducar, pois, mais incrível que possa parecer, ela é, ainda hoje, a principal garantia dos trabalhadores, na sua interminável luta contra a exploração do capital.


* Drº José Geraldo de Santana Oliveira é Advogado e Assessor Jurídico, do Sindicato dos Professores do Estado de Goiás, da Federação dos Trabalhadores  em Estabelecimentos de Ensino do Brasil Central, da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino, da Federação dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino do Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, do Sindicato dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino do Mato Grosso do Sul e do Sindicato dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino do Mato Grosso.


 

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