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Publicado em June 29, 2016, 11:11 a.m. - Notícias Fitrae

As ameaças à organização sindical no Brasil

*Por por José Geraldo Santana


O deputado federal Bebeto (PSB-BA) apresentou à Comissão Especial da Câmara Federal – destinada a estudar e apresentar propostas para a regulamentação do financiamento sindical –, Relatório Final, descrevendo, de forma circunstanciada, todo o processo de discussão, levado a efeito, a partir de 1º outubro de 2015, data de sua instalação. Bem assim, a proposta de projeto de lei (PL), que abrange, além do financiamento – sua pauta inicial –, a própria organização sindical.


Para que se tenha maior dimensão da complexidade e da importância da organização sindical, no contexto sociopolítico brasileiro, insta salientar que, consoante consta do citado Relatório, que tramitam no Congresso Nacional 12 propostas de emendas constitucionais (PECs) e 50 PLs, com a finalidade de alterar a sua estrutura e os seus contornos normativos. Contam-se nos dedos de uma mão os que não tem por escopo o seu enfraquecimento e a redução de direitos fundamentais sociais.


O referido Relatório, por um lado, prima pela clareza e consistência da análise sobre o contexto atual de dificuldades da organização sindical brasileira, de seus anseios e perspectivas, bem como das propostas que dela decorrem – o que é de todo louvável e digno de nota –; por outro, traz a marca da intervenção na organização sindical – vedada pelo Art.8º, inciso I, da Constituição Federal (CF) –, o que, a toda evidência, representa retrocesso social.


Ademais, não trata de questões de relevância cabal para o movimento sindical, sem as quais a regulamentação de sua organização fica incompleta e sem a força preconizada pela CF, notadamente, quanto ao registro sindical, exigido pelo Art. 8º, inciso I, da CF, até aqui, sob a responsabilidade do Ministério do Trabalho, por força do que determina a Súmula N. 677, do Supremo Tribunal Federal (STF), o que lhe deu ensejo para rasgar todas as garantias contidas nesse Art.; à estabilidade dos dirigentes sindicais, vilipendiada pela Súmula N. 369 do Tribunal Superior do Trabalho (TST), para quem um sindicato com 20 trabalhadores na base tem o mesmo número de dirigentes de um com cem, mil, ou mais, qual seja sete efetivos e sete suplentes; à estabilidade do representante por local de trabalho, de que trata o Art. 11, da CF; à punição por prática antissindical, regra comum na maioria das entidades sindicais patronais e nas empresas, em especial no tocante à recusa à negociação coletiva e aos sistemáticos processos de demissão coletiva.


A isso se soma o silêncio sobre a regulamentação do inciso I, do Art. 7º, da CF, que proíbe a demissão arbitrária ou sem justa causa; sem dúvida, o direito fundamental social com maior relevância social, dentre os 34 elencados no Art. 7º, da CF.


Dentre as propostas sustentadas pelo comentado Relatório, merecem ampla e fundamentada reflexão do movimento sindical, antes de abraçá-las, se assim entender pertinente, as seguintes:


I               A garantia de voto universal, para todos os integrantes de cada categoria profissional ou econômica, no âmbito dos sindicatos, consoante a redação proposta para o Art. 529, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).


A efetiva participação de todos os integrantes da categoria, em todas as instâncias decisórias da respectiva entidade sindical é mais do que recomendável, deve ser meta e objetivo do movimento sindical, apesar de utópica.


Não sendo este, pois, o ponto de reflexão, no que pertine a esta proposta. As questões a serem suscitadas, para a sua efetivação, são: i) como saber qual é o contingente de trabalhadores; ii) que critérios e parâmetros serão utilizados para o quantificar, o que é imprescindível para a definição do colégio eleitoral; iii) por meio dos dados divulgados pela Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), do Cadastro Geral de Admissão e Demissão (Caged), das guias de contribuição sindical, não há menor possibilidade fazê-lo, haja vista a sonegação de informações e falta de registro formal: iv) terão direito a voto somente os trabalhadores formais, ou este direito se estenderá aos informais.


A falta de definição das questões retro suscitadas, com certeza, gerará constantes e impertinentes discussões, administrativas e judiciais, sobre o colégio e o quorum eleitoral, provocando instabilidade e tensões permanentes em todos sindicatos, ao menos, potencialmente.


II        O Art.549-A, a ser acrescido à CLT, representa claríssima autorização para a ingerência e a intervenção do Poder Público, na organização sindical, vedada pelo Art. 8º, da CF, não obstante o deputado e Relator afirmar o contrário.


Segundo a redação proposta para este Art., os sindicatos, as federações e as confederações sindicais, profissionais e econômicas, deverão (verbo mandatório) prestar informações às autoridades competentes, quando solicitadas, sobre a contribuição sindical e a negocial.


A aplicação dos princípios da probidade, da impessoalidade, da transparência e da eficiência, que gerem a administração pública – Art. 37, da CF –, indiscutivelmente, são aplicáveis à organização sindical, em todos os seus graus.


Porém, essas obrigações não podem constituir-se em escudo para a sanha intervencionista do Ministério Público do Trabalho, em grande escala, e da Justiça do Trabalho, em menor, como já é sistemático, sem a autorização prevista no realçado Art..Como será, se ela for convertida em Lei?


O Art. não diz quem é a autoridade competente. Por isso, qualquer Órgão Público poderá se arvorar nesta condição. Como resolver esta anomia? O Relatório e o PL sob comentários não o dizem.


Cabe salientar – ainda, que, não obstante o Art. em apreço tratar só de informações –, não resta dúvida de que quem as requerer o fará com o propósito de agir, administrativa ou judicialmente, caso não as receba, ou as considere insuficientes, ou ainda, reputar indevidas a aplicação das verbas de correntes da contribuição sindical e da negocial.


A prevalecer esta proposta, além das já registradas ingerência e intervenção, haverá uma pletora de inquérito civil público e de ação civil pública, de iniciativa do MPT, sempre ávido pelo controle da organização sindical.


Outra exigência descabida e inexplicável, contida no inciso VI, desse Art., é a de demonstração contábil e financeira devidamente auditada por auditor independente, legalmente habilitado nos conselhos regionais de contabilidade – quando assim for decido em assembleia da categoria.


A realização de auditagem e/ou de perícia contábil, nas contas sindicais somente se apresenta razoável e compatível com a presunção constitucional de probidade quando for robustamente demonstrado que este princípio foi quebrado pela direção sindical, ou, pelos menos, haja fundada dúvida quanto à sua observância. Todavia, o dispositivo legal proposto, relega a plano secundário estas condições ao permitir que, sem prova de malversação de receitas sindicais ou de fundada dúvida sobre ela, haja deliberação de assembleia determinando a realização da mencionada auditagem. Um prato cheio para quem queira desestabilizar a direção sindical – o que pulula no movimento sindical.


III            Em que pese colossal avanço, no que diz respeito à contribuição negocial, visível e palpável no PL proposto pelo deputado e Relator, nos termos da redação dos Arts. 610-A a 610-E (a serem acrescidos à CLT), hoje, tabu e objeto de severa perseguição do MTP e da Justiça do Trabalho – escudados no famigerado Precedente Normativo (PN) N. 119, do TST –, às entidades que a cobram; parece fora de dúvida que se a redação proposta para o Art.  610-A, § 1º, parte e final, a para o 610-B, for aprovada, representará o seu esvaziamento.


Primeiro, porque a contribuição negocial somente pode ser levada à apreciação e à autorização de assembleia, que se destina a aprovar o resultado final do processo de negociação coletiva; como a redação é ambígua, há margem para se interpretar que a discutida aprovação condiciona-se ao êxito do processo de negociação coletiva, muito embora o Relator diga o contrário. O certo é que essa redação suscitará muita discussão e desavenças impertinentes.


Segundo, porque permite a oposição ao seu desconto, o que, a toda evidência, quebra os princípios da isonomia e da solidariedade.


Frise-se que o fato de a oposição à destacada contribuição dever ser prioritariamente em assembleia e por escrito, não lhe retira a condição de tratamento contrário à isonomia e à solidariedade. E o que é pior: abre a possibilidade de quem não foi à assembleia que a aprovou manifestar a sua oposição, no prazo de 30, desde que comprove a sua impossibilidade de a ela comparecer; o que comporta argumentos de toda sorte, plausíveis ou não.


Como bem salienta o Ministro do TST, Antonio Barros Levenhagen – seu Presidente até o dia 25 de fevereiro de 2016 –, contrário ao PN N. 119, “.. se todos usufruem do benefício alcançado pela atividade negocial, todos devem suportar o ônus para obtê-los”.


IV    O Conselho Nacional de Autorregulação Sindical – nos moldes propostos pelo Art. 3º, do PL, do Relator –, dificilmente terá êxito em seu mister, pois que, para tanto, será necessário o consenso entre os representantes patronais e os dos trabalhadores, o que não se coaduna com a estrutura social vigente.


É forçoso inferir da análise do Relator sobre os trabalhos da Comissão Especial, sob realce, que o consenso será inalcançável entre os próprios representantes dos trabalhadores, quanto ao mais destes com os dos patrões.


Estas são as primeiras impressões colhidas da análise do Relatório em epígrafe, que se sujeitam à contestação e ao debate, sendo este último o seu principal objetivo.


*José Geraldo Santana é consultor jurídico da Fitrae MTMS, Contee, Sintrae MT e Sintrae MS.

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